Muitas pessoas sofrem e têm dificuldades em seus relacionamentos - amizade, família, romance ou trabalho. E eles sentem que, de alguma forma, eles não são suficientes. Ou porque não confiam em si ou porque não se conhecem.
Trauma é um conceito muito mais amplo do que podemos imaginar. O que é "traumático" depende da pessoa, de seu conjunto único de circunstâncias, de sua própria percepção, e de sua internalização do evento.
Um acontecimento traumático não inclui apenas os eventos que classicamente consideraríamos: guerra, desastres naturais, acidentes graves, violência, abuso sexual, assaltos, etc. Um trauma psicológico é qualquer evento tão esmagador que não conseguimos entendê-lo, processá-lo ou deixar no passado. E, muitas vezes, nem nos apercebemos de que ele existe e da influência que tem em nós. Ele apenas se revela em algumas dores ou sintomas.
Muitos traumas acontecem na infância. Só que este trauma é poucas vezes reconhecido.
Como adultos, estas crianças acabam por sentir uma imensa vergonha em relação a elas mesmas sem entenderem que experienciaram trauma.
As relações – vinculações – que estabelecemos com os nossos pais ou cuidadores primários antes dos 5 anos de idade estabelecem um padrão, as fundações para as nossas relações adultas, porque nós nascemos completamente dependentes de adultos que, idealmente, irão satisfazer as nossas necessidades físicas e emocionais. Se essas necessidades são satisfeitas, nós estabelecemos vinculações seguras. Se não, elas serão inseguras e imprevisíveis. Nestas, a criança tem muitas vezes que se “trair” a si mesma ou esconder os seus sentimentos de forma a receber amor e validação por parte de um progenitor com quem criou uma relação conflituosa.
Durante a infância, os nossos cérebros ainda se estão a formar e estes são os padrões de relacionamento a que nos vamos habituar. Quando entramos em relacionamentos adultos, existe uma motivação inconsciente para repetir essa mesma dinâmica que nos é familiar e que aprendemos enquanto crianças.
O contexto para a criação de um trauma de infância é tipicamente um contexto onde existiu:
Pouco conforto, capacidade de acalmar, pouco amor
Caos
Comportamentos imprevisíveis
Violência
Pouca conexão emocional
Pouca segurança
Negligência
Falta de limites bem estabelecidos
Mecanismos de coping disfuncionais – álcool, drogas, outros comportamentos de risco
Abandono
Trauma na infância pode incluir:
O progenitor negar a realidade da criança
Não ser visto ou ouvido
Ter um progenitor que vive de modo vicariante através da vida da criança
Ser direta ou indiretamente dito que não pode ou não deve experienciar certas emoções
Ter um progenitor que sobrecompensa pelo que sente que lhe faltou na sua própria infância
Ter um progenitor que se foca na aparência
Ter um progenitor que não consegue regular as suas emoções
Sinais de um trauma na infância:
Medo generalizado do mundo
Falta de conexão com o mundo e com os outros
Instabilidade emocional – passar por uma montanha-russa de emoções para sentir nada – impulsividade, raiva, dificuldade em tomar decisões
Poucas memórias ou muito vagas da infância e crescimento
Não saber quem é – dificuldade em estabelecer a sua identidade
Dúvidas constantes acerca de si mesmo, das suas capacidades – baixa auto-estima
Foco obsessivo noutra pessoa com medo de abandono
Falta de limites, espaço ou autonomia
Não ser capaz de confiar – medo da intimidade e da vulnerabilidade
Ciclos emocionalmente viciantes de ser abandonado/rejeitado e depois novamente escolhido
Foco excessivo numa ligação sexual ao invés de numa conexão autêntica e com comunicação
Um desejo forte de ser confortado pela pessoa que está a causar este mal-estar emocional severo
Afastarmo-nos destes traumas implica fazermos a nossa própria "reparentalização", ou seja, sermos os nossos próprios pais. Ou termos um profissional que o faça connosco.
Esta reparentalização implica que passemos a ter, nos nossos relacionamentos adultos:
Limites claros
Liberdade de afirmar as nossas necessidades e permitir que uma pessoa as possa ajudar a satisfazer
Autonomia e interdependência (dependência mútua - reciprocidade) em simultâneo (em vez de codependência)
Relacionamentos com pessoas que têm os mesmos valores que nós
Conhecer o nosso próprio valor
Construir relacionamentos onde haja espaço para evolução mútua.
Ideias finais:
- Trauma é algo que experienciamos, não é a nossa identidade.
- Não é algo com que temos que viver para sempre.
- Ultrapassar um trauma passa por nos reconectarmos com o nosso mundo interior e encontrar a segurança em nós mesmos – algo que o trauma tirou de nós.
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