E se eu lhe dissesse que tem controlo na forma como o seu cérebro envelhece, acreditava?
Ninguém está livre de envelhecer. Como é expectável e natural, com o passar dos anos, o corpo humano vai sofrendo alterações e envelhece. Aceitar o envelhecimento implica aceitar a experiência tal como ela é, tal como está a desenrolar-se no momento presente, com uma atitude gentil e compassiva, com abertura e curiosidade. Tal implica deixar de lutar entre o “como as coisas são” e “como desejava que fossem”. No entanto, aceitar o envelhecimento não significa resignar-se a ele. Ao invés disso, significa que pode agir, no sentido de promover um envelhecimento saudável, reduzindo o seu possível impacto negativo na funcionalidade e bem-estar.
O envelhecimento cerebral
O nosso cérebro é incrivelmente adaptável, é capaz de formar novas ligações à medida que adquirimos novos conhecimentos e experiências – apresenta aquilo a que chamamos de neuroplasticidade. Esta plasticidade é vital para a função saudável do cérebro ao longo da vida, é a chave para o bom funcionamento da comunicação, da emoção, e de alguns processos cognitivos, tais como a memória. No entanto, tal como acontece com outros órgãos, também o nosso cérebro está sujeito a envelhecimento e vai perdendo a sua plasticidade ao longo do tempo.
Será que podemos, de alguma forma, ter influência na forma como o nosso cérebro envelhece? A resposta é: sim, podemos.
A investigação científica tem identificado alguns fatores que contribuem para um envelhecimento cerebral mais saudável. Em primeiro lugar, adotar uma alimentação saudável tem sido apontado como um dos fatores que nos protegem do envelhecimento cerebral patológico. A ingestão de alimentos que ajudam a prevenir processos inflamatórios do corpo é essencial (e.g., abacate, azeite virgem extra, frutos secos, hortaliças, mirtilo). Uma higiene de sono adequada, ou seja, adotar comportamentos que permitam aumentar a qualidade do sono (e.g., ter um horário regular para adormecer e acordar, dormir num ambiente acolhedor e relaxante, evitar a ingestão excessiva de álcool e de tabaco antes de dormir, evitar o uso de dispositivos eletrónicos antes de dormir) contribui para o bom funcionamento cerebral. Estudos recentes têm demonstrado que durante o sono, algumas células presentes no cérebro (i.e., células da glia) exercem uma função de limpeza de “material tóxico” prejudicial, incluindo o tipo de proteínas que se desenvolve nas pessoas com demência. Também se verificou que, durante o sono, se estabelecem novas conexões entre neurónios, sendo consolidados conhecimentos adquiridos durante o dia. O exercício físico desempenha também um importante papel no campo da saúde cerebral: não só proporciona uma boa condição esquelético-muscular e cardiorrespiratória, como também pode ajudar a melhorar a condição cognitiva. Sabe-se que a atividade física promove a formação de determinadas proteínas que atuam sobre alguns neurónios, ajudando à sua sobrevivência, e que são fator de desenvolvimento de novos neurónios (i.e., neurogénese) e novas conexões entre neurónios. Daqui podemos inferir que a falta de exercício físico corresponde a menos neurónios e menos conexões entre eles. Alguns estudos indicam ainda que o exercício físico contribuiu para um envelhecimento cerebral mais saudável, estando associado à redução do risco de desenvolver demência em cerca de 60%. Para além destes fatores, também o consumo de tabaco e álcool, bem como apresentar doenças cardiovasculares e metabólicas, tais como hipertensão e diabetes, aumentam o risco de um envelhecimento cerebral patológico.
A par com os fatores anteriormente apresentados, e ainda que pareça menos óbvia esta relação, a socialização é também essencial para o bom funcionamento do cérebro.
O ser humano é um ser social, que evoluiu a partir da socialização e interação com os seus pares. Em concordância, a ciência tem demonstrado que o contacto social previne o envelhecimento cerebral patológico, promovendo o desenvolvimento de certas substâncias químicas no cérebro que, por sua vez, retardam o declínio cognitivo e ajudam a proteger contra o desenvolvimento de demência. Importa ter em conta que, ainda que a investigação sobre o impacto da socialização no envelhecimento cerebral esteja a crescer, é necessária mais investigação para melhor compreender a natureza destas relações.
A certeza que temos é a de que determinados comportamentos e atitudes contribuem para um envelhecimento cerebral saudável e, por isso, são esses comportamentos que devemos promover. No entanto sabemos que, nos últimos anos, a pandemia trouxe inúmeros desafios forçando, por exemplo, a maior parte da população a uma condição de isolamento social, que contribuiu fortemente para o desenvolvimento de dificuldades e problemas de saúde física e mental. Embora, atualmente, o contacto social seja estabelecido mais facilmente, o impacto da realidade experienciada durante a pandemia permanece. Assim, no momento presente, é importante promover comportamentos e atitudes de autocuidado na população, que permitam promover um envelhecimento cerebral saudável, nomeadamente através da socialização.
Referências
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