Quando começa uma relação, o casal já carrega consigo experiências anteriores. Isto faz parte da vida adulta: existe uma bagagem de cada um. Nela estão tanto as alegrias e vitórias, como também as deceções e perdas. A forma como cada pessoa lida com as suas vitórias e feridas não depende apenas da sua história individual e familiar, é também moldado e influenciado pela cultura na qual a pessoa cresceu, o idioma em que aprendeu a dar nome ao que sente e entender as experiências.
Todas as relações têm desafios relacionados com as experiências individuais. As relações interculturais enfrentam altos e baixos particulares, para além dos desafios comuns que qualquer casal enfrenta. De acordo com a literatura científica, casais interculturais podem enfrentar mais stress na sua relação (ou seja, stress interno) devido às suas diferenças culturais, em comparação com parceiros do mesmo país. O stress tem efeitos negativos em todas as relações, mas as diferenças interculturais podem ser uma variável causadora de mais stress na relação, levando a efeitos negativos tanto no bem estar individual, quanto relacional. Stress, sintomatologia depressiva ou outras dificuldades psicológicos, podem acontecer e é importante estar atento a isso.
Questões interculturais que o casal enfrenta incluem: a perda de identidade, conflitos sobre crenças fundamentais, diferenças na forma de educar e criar os filhos, angústia por não ter a família próximo e/ou uma rede de apoio. Além disso, o casal lida constantemente com diferentes interpretações de eventos aparentemente corriqueiros. Nesse artigo explico três problemáticas que mais encontro nos atendimentos psicológicos:
Perda de identidade - afastar-se de quem costumava ser sem conseguir visualizar ou sentir-se seguro(a) sobre a pessoa que se está a transformar.
Desacordos diários sobre pequenas coisas - culinária, higiene, padrões, rituais etc.
Dificuldade de comunicação - conseguir expressar-se e ser entendido.
1 - Perda de identidade
Quando alguém muda de país, religião ou sacrifica algo da sua cultura em favor da cultura do seu parceiro, pode sentir estranheza; sentir-se distante da pessoa que costumava ser. Hábitos deixados para trás começam a fazer falta, e a pessoa começa a perceber como eram importantes. Surgem questões como “quem sou eu agora?”; “onde pertenço?” ; “encaixo-me aqui?” ; “preciso de manter a minha herança cultural?”, e as respostas para estas perguntas nem sempre são diretas.
A lealdade que sente em relação à própria cultura e tradição pode, às vezes, dificultar o entendimento da cultura do outro. Numa relação intercultural, a supervalorização da própria cultura pode camuflar os sentimentos individuais que têm um pelo outro.
O que fazer:
É possível manter a sua identidade enquanto abraça uma nova cultura. Pode começar a explorar quem é. Afinal, é um indivíduo e, embora a cultura em que cresceu tenha contribuido para moldar a sua identidade, continua no controlo.
Conhecer a sua própria história, dar novos significados às experiências que está a viver, e sentir o apoio do seu(sua) parceiro(a) pode ajudá-lo(a) a reescrever a sua identidade e manter as suas emoções saudáveis .
2- Desacordos diários sobre pequenas coisas
O homem não oferece ajuda pois acredita que a mulher é capaz de fazer tudo sozinha; a mulher acredita que o homem deveria ajudar, porque é homem. Desacordos diários sobre o quotidiano são discussões que envolvem o estilo de vida de cada um e as expectativas em relação à vida do casal. Essts desacordos podem, por vezes, ser desencadeados por ressentimentos, porque um ou ambos os parceiros sentem que a sua cultura está a ser rejeitada ou atacada, quando o outro se recusa a seguir os seus costumes ou tradições. Os desacordos diários mais relatados nos atendimentos estão relacionados com comida e bebida (o que podem ou não comer e beber, como e quando, incluindo o consumo de álcool); vestuário (principalmente se um dos parceiros mudou a sua forma de vestir para se adequar à cultura do outro); distribuição de tarefas domésticas (quando há diferentes visões sobre a atribuição de tarefas por género) e dinheiro (como lidam, valorizam e como gastam o dinheiro).
O que fazer:
Observar o que alimenta esses desacordos. Às vezes, os problemas são mais profundos do que parecem à primeira vista. Esclarecer os pontos de vista e encará-los traz benefícios para o casal. Conseguir identificar o que está a alimentar esses conflitos e conseguir comunicar com o parceiro é a chave. Nem sempre é possível fazerem isto sozinhos. Procurar ajuda, inclusive profissional, é fundamental.
3 - Comunicação
A linguagem é uma parte importante da comunicação, e ela não se limita ao idioma. Um olhar aqui, um movimento de cabelo, um enrijecer dos ombros. Cada movimento comunica. Isso possibilita que muitos casais começam um relacionamento sem ter um idioma em comum.
Os gestos podem passar diferentes informações de acordo com as interpretações culturais. Entender o senso de humor do parceiro, conseguir expressar seus sentimentos da melhor forma possível e entender os sentimentos do outro são alguns exemplos da importância da comunicação, inclusive de partilhar um idioma. São comuns mal- entendidos gerados pela dificuldade em expressar-se, que podem levar a interpretações errôneas e conflitos. Essas dificuldades estendem-se aos relacionamentos sociais e familiares. Não conseguir comunicar-se livremente com pais, familiares e amigos dificulta a integração, a formar vínculos e estabelecer confiança. A frustração por não se expressar da maneira que você deseja pode levar a sentimentos de alienação.
O que fazer:
Mesmo que no início não compartilhar uma língua materna não foi um problema, manter isso a longo prazo é um desafio. Fortalecer outros canais de comunicação, encontrar maneiras de reforçar as mensagens para evitar mal-entendidos, dedicar um tempo para aprender o idioma do outro mesmo que ele more em seu país são medidas que indicam a valorização da cultura do parceiro e a disponibilidade em construir uma comunicação efetiva entre o casal.
Outros fatores que influenciam
Existem outros fatores que influenciam as relações interculturais e que nem sempre estão sobre o controlo do casal. Neste caso, conhecer esse fatores pode ajudar o casal a procurar formas diferentes de enfrentar as dificuldades em conjunto. Aqui cito alguns deles:
A idade e fase da vida: as pessoas mais jovens podem ser mais adaptáveis e querem crescer em conjunto.
Perceber-se em igualdade pode fortalecer e beneficiar o casal. Um exemplo de desigualdade é não conseguir locomover-se sem o parceiro por não conhecer o idioma local. Sentir-se desigual e dependente (financeira e/ou emocional) pode limitar a interação e promover o isolamento do parceiro.
Por quanto tempo viveremos aqui? Onde vocês irão viver e quanto tempo vocês planejam ficar são questões que quanto mais clara estiverem para o casal, mais seguro estarão individualmente para investir na relação e nas adaptações culturais.
Casais interculturais precisam de mais suporte
Gerir todas as adaptações, ao mesmo tempo em que investem na relação, pode ser exaustivo. Por isso, muitos expatriados e casais interculturais procuram o suporte da psicoterapia para facilitar este processo. Ao reservar tempo para ouvir as histórias uns dos outros num ambiente confortável e seguro, com a mediação de um psicólogo, um novo nível de compreensão pode ser alcançado, obstáculos podem ser superados e um plano para avançar de forma saudável pode ser feito.
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