A perda gestacional e neonatal envolve um conjunto de situações de perda que acontecem ao longo da gestação ou após o parto. A Organização Mundial de Saúde (OMS) distingue as perdas que se verificam antes da expulsão ou extração do bebé do corpo da mãe, independentemente da idade gestacional, das que ocorrem já após o nascimento (denomina-se de morte neonatal precoce se esta ocorrer até ao 7º dia após o parto, ou morte neonatal tardia se ocorrer entre o 7º e o 27º dia posteriores ao parto).
Outubro é o mês da sensibilização para a perda gestacional e neonatal. No dia 15 de outubro, um pouco por todo o mundo, é reconhecido e validado o luto destes pais e famílias, e são homenageados os bebés que partiram.
Conhecer, validar e intervir na perda gestacional e neonatal é essencial.
As causas da perda gestacional e neonatal
As mortes fetais ocorrem, essencialmente, devido a complicações obstétricas ou do parto, problemas de saúde maternos ou causas não identificadas. Por sua vez, a morte que ocorre após o parto está relacionada com malformações graves no bebé, prematuridade, complicações obstétricas ou que ocorrem durante o parto, dificuldades de adaptação à vida extrauterina e infeções resultantes de práticas erradas após o parto (OMS, 2006).
Cerca de 25% das gestações termina durante o primeiro trimestre; outras situações, mais tardias, são menos frequentes, mas todas elas têm um potencial devastador, com perdas tangíveis e intangíveis que afetam o indivíduo, famílias, sistemas de saúde e sociedade.
Mas como lidar com uma perda tão significativa?
A investigação científica tem descrito a perda gestacional como um acontecimento potencialmente traumático (Rolim & Canavarro, 2001), com um impacto psicológico profundo nos pais e nas suas famílias que, para além de terem de lidar com o sofrimento relacionado com a morte do bebé, habitualmente desejado e planeado, enfrentam mudanças em diversas áreas da vida. A estrutura familiar planeada é alterada, devido à ausência de um dos seus membros; os pais perdem uma oportunidade de exercer a parentalidade; poderão ver a sua identidade social alterada (e.g., exclusão no grupo de amigos com filhos); são obrigados a reajustar expectativas e sonhos em relação à gravidez e à vida em geral; particularmente na mulher, poderão ocorrer mudanças na autoestima e crenças em relação ao corpo.
O impacto psicológico da perda gestacional e neonatal pode variar de pessoa para pessoa, mas caracteriza-se frequentemente, pela experiência de um profundo sentimento de pesar, tristeza, vazio, culpa, raiva, irritabilidade, ansiedade, choque, desespero, desamparo, desilusão, desesperança. Além disso, os pais podem sentir inadequação e fracasso, questionando-se sobre a sua capacidade de levar a cabo uma gravidez saudável ou de cuidar de um filho. A sensação de isolamento e solidão é também prevalente, levando os pais a sentir-se desligados dos amigos e da família, que podem não compreender totalmente a sua dor ou não saber como oferecer apoio. Podem também achar difícil relacionar-se com outras pessoas que não tenham sofrido uma perda semelhante, uma vez que o seu luto é único e profundamente pessoal.
Poderão surgir sintomas como confusão, dificuldades de concentração, falta de memória e pensamentos que traduzem preocupação com o bebé. Poderá estar presente agitação, fadiga, choro, isolamento e a tendência para procurar ou, opostamente, evitar estímulos associados ao bebé.
A Psicologia da gravidez e da parentalidade
Procurar apoio de profissionais de saúde mental e grupos de apoio pode ser crucial para ajudar os pais e as famílias a lidar com o impacto psicológico da perda gestacional e neonatal. Estes recursos podem proporcionar um espaço seguro para exprimir emoções, partilhar experiências e receber orientação sobre como lidar eficazmente com o processo de luto.
A intervenção psicológica em situações de perda gestacional e neonatal procura a promoção da adaptação parental à perda – aceitação da perda e restituição do equilíbrio emocional e nas diferentes áreas de vida.
O processo terapêutico, que deverá englobar vários contextos de intervenção (e.g., individual, conjugal), pode ser dividido em 4 fases:
Identificar pais e familiares em risco de desenvolver respostas não adaptativas à perda.
Favorecer a aceitação da perda e dar a conhecer o processo de luto.
(Re)introduzir o padrão de rotina habitual, restabelecer a sensação de controlo e ajudar a construir novos significados.
Ajudar na tomada de decisões reprodutivas informadas e ponderadas.
A dor da perda de um filho é dura, indescritível, legítima, e real. Nunca será demais relembrar os desafios que se colocam aos pais e famílias que experienciam perdas desta natureza. Que eles possam ter a coragem e a força para, diariamente, viver para além da perda.
--- Nazaré, B., Fonseca, A. D. D., Pedrosa, A. A., & Canavarro, M. C. (2010). Avaliação e intervenção psicológica na perda gestacional.
World Health Organization (2006). Neonatal and perinatal mortality: Country, regional and global estimates. Geneve: Author.
Rolim, L. & Canavarro, M. C. (2001). Perdas e luto durante a gravidez e o puerpério. In M. C. Canavarro (Ed.). Psicologia da gravidez e da maternidade (pp. 255-297). Coimbra: Quarteto Editora.
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