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Liliana Marante

Intocável


Um dia o toque foi proibido. Fomos privados do contacto pessoal, de expressar e partilhar emoções fisicamente, entrámos numa era de proibição do toque, para salvaguarda da nossa vida - disseram. Progressivamente apercebemo-nos que havíamos cedido, há muito, o direito ao contacto próximo-pessoal-afetivo. Na engrenagem da aceleração dos tempos havíamos prescindido do tempo que o toque precisa para se fazer sentir. E agora, depois de uma pandemia volvida, reclamado ferozmente o direito à liberdade; onde deixámos o corpo cativo, carente e ferido?


Mundialmente aceitámos esta aversão ao toque, ao cumprimento, ao abraço, ao toque no ombro, quando culturalmente íamos encontrando variações nessa concessão. E, assim, normalizámos o condicionamento do expressar, a distância emocional, o não dizer. Disseminámos a ideia do toque como inapropriado, inaceitável, até perigoso, e daqui decorreram sintomas de repressão emocional e privação do toque. Sim, privação de toque, uma condição de saúde. O contacto afetivo pele-com-pele (não sensual) é vital para a nossa saúde física, emocional e mental. Este toque convida à expressão emocional, elucida indicadores de segurança e confiança para evoluir num contacto interpessoal e é fonte de regulação dos nossos níveis de stress. Afinal, do que estamos a abdicar quando não temos este toque, quando contemos a expressão emocional, quando interrompemos os nossos gestos, os nossos movimentos?


Na terapia psicocorporal, o toque não é interdito como noutras modalidades psicoterapêuticas, é aceite, se permitido, como bem nos esclareceu Gerda Boyesen e, atualmente, Ricardo Amaral Rego. Nesta abordagem entendemos que as comuns dores de costas não são manifestações circunstanciais, são manifestações de padrões de contenção emocional que constroem armaduras musculares, camadas de tensão que são defesas corporais contra a angústia, o medo, a frustração e o choque, que não foram descarregados conscientemente. Este mecanismo torna-se protetor de investidas externas, mas também contentor das próprias emoções, que não podem ser expressas, por sentimento de hostilidade e não aceitação no exterior. Esta repressão emocional fixa a angústia e o conflito no corpo. E vamo-nos apagando. E quando nos apagamos, quando contemos, quando ficamos pelo não vivido, deixamos o corpo adoecer. A terapia pelo toque, como também é exemplo a massagem e a reflexoterapia, pode ser uma via mais imediata de aproximação a algum conforto. Tiffany Field dedicou grande parte da sua vida ao estudo dos efeitos da massagem, movimento e práticas associadas, como a aromaterapia, no Touch Research Institute, onde foi documentando os seus benefícios.


A massagem, com pressão moderada, como a quiromassagem, funciona tão bem porque consegue alterações neurofisiológicas, mecânicas e psicológicas. Consegue provocar um estado geral de bem-estar, contentamento e vitalidade devido à libertação de endorfinas, serotonina, dopamina e encefalinas, hormonas e neurotransmissores que atuam na diminuição da dor, na gestão do stress e aumentam a sensação de conforto, controlo e resiliência. Consegue, ainda, reduzir os níveis de cortisol, a conhecida hormona da ansiedade. Esta atividade decorre do equilíbrio da resposta do sistema nervoso, este reequilíbrio reduz a ativação da função do sistema nervoso simpático, alerta-ameaça, e aumenta a função do parassimpático, relaxamento-segurança. Proporciona também o aumento da atividade muscular e articular, com maior elasticidade e extensibilidade muscular; a melhoria da circulação, o aumento de fluxo de nutrientes e oxigénio, diminuindo a estase e libertando as aderências que bloqueiam e inibem o movimento. A massagem consegue alcançar o incremento de funções regulatórias, como: libertação de secreções pulmonares, abrindo a respiração, redução da espasticidade nervosa, regulação do sono, e estimulação das funções viscerais com aumento do peristaltismo, atualmente também associado a digestão emocional, promovendo uma consequente melhoria da resposta imunitária, regulação do sistema nervoso e endócrino.


O encontro na massagem, tendo o toque a função de comunicação, tem um efeito de regulação emocional, acolher (holding) e de vinculação - alcançando o nível do cuidar, e aqui, a libertação de oxitocina informa de uma experiência de segurança, confiança e pertença, onde há amor e bondade, diminuindo sentimentos de isolamento, solidão, depressão, stress ou ansiedade. Conseguimos promover a consciência corporal, atingir um relaxamento físico e psicológico, com alívio da pressão, da tensão muscular e alcançar um progressivo conhecimento sobre gatilhos, limites e mecanismos de autorregulação física e emocional. Este processo cria uma regeneração da vitalidade, autoconfiança e autoconhecimento, onde recuperamos a nossa capacidade de gerar soluções para os desafios na nossa própria vida. Mas para encontrarmos todos estes benefícios é urgente que nos permitamos sentir, conectar connosco, com as nossas necessidades e com a outra pessoa.


Estamos disponíveis para desacelerar os nossos ritmos, relaxar as nossas defesas, para que seja possível sentir, como o toque-afetivo, o sentido esquecido, atua?

No dia 20 de março celebra-se mundialmente o movimento “Massage Makes Me Happy” no mesmo dia que celebramos também o dia internacional da felicidade. É também em março que deixamos o inverno - o recolhimento, e anunciamos a primavera - o florir, a expansão de cheiros, cores e texturas.


Como quer celebrar?

Deixo um convite, uma vivência, à semelhança do artigo “Como me sinto na minha pele - o corpo como revelação”. Gostaria que prestasse atenção interiormente, ao seu corpo. Acolha o que surge, o que sente, ao conectar-se com a questão:

O que me toca, entusiama e me faz vibrar? Como estou a permitir o toque na minha vida, como sinto a vida através do toque?


E encontramo-nos na massagem.


Referências

Rego, R., Porto, D., Amabis, D., Forlani, M. & Martins, S. (2014). O toque na psicoterapia. Massagem biodinâmica. KBR.

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