A endometriose é uma doença benigna, crónica, inflamatória, que afeta cerca de uma em cada 10 mulheres em idade reprodutiva. Caracteriza-se pelo desenvolvimento de endométrio (tecido que reveste o útero) numa localização variável, fora do útero. Em cerca de 90% dos casos, este tecido aloja-se na pélvis, implantando-se em órgãos aí localizados. Durante o ciclo menstrual da mulher, este tecido sofre diversas transformações semelhantes às que ocorrem no útero, causando sofrimento significativo para a mulher.
Apesar da crescente investigação sobre este tema, e de algumas teorias terem sido desenvolvidas, a etiologia e origem da endometriose ainda permanece desconhecida.
Muitas vezes, a primeira dificuldade associada a esta doença consiste no tempo excessivo que decorre desde o aparecimento dos primeiros sintomas até ao seu diagnóstico efetivo. Estes atrasos no diagnóstico (e, por vezes, diagnósticos incorretos), para além de se traduzirem em mais gastos para o Serviço Nacional de Saúde, conduzem a maior sofrimento psicológico destas doentes. Assim, revela-se essencial que o diagnóstico seja precoce e adequado, para que possa ser, posteriormente, delineado um tratamento idiossincrático, evitando desta forma a progressão e agravamento da doença.
De acordo com a literatura, esta doença está associada a diversos sintomas, sendo que os mais frequentes são: dor associada à menstruação (dismenorreia), dor associada à relação sexual (dispareunia) e dor pélvica. Por vezes, a endometriose pode causar dor generalizada e crónica. Além disso, esta doença foi ainda associada a disfunção sexual na mulher e, ainda que a investigação não permita estabelecer uma relação de causa-efeito entre a endometriose e a infertilidade, muitas vezes estas condições aparecem também associadas. Sendo que na endometriose os órgãos mais afetados consistem, precisamente, nos órgãos do aparelho reprodutor feminino (i.e., vagina, ovários, trompas), a função reprodutora poderá ser alterada e associar-se a infertilidade. Apesar disso, importa referir que o tratamento da endometriose permite, muitas vezes, melhorar o potencial fértil da mulher e, em algumas situações, resultar numa gravidez de sucesso.
A presença de dor e desconforto constantes na vida destas mulheres tem um grande impacto negativo a nível psicológico e emocional. Por exemplo, a falta de controlo e impotência face à doença e à sua evolução, e até o pouco conhecimento acerca desta, poderá aumentar a vulnerabilidade da mulher com endometriose para o desenvolvimento de sintomatologia psicopatológica e sofrimento psicológico geral. A investigação tem demonstrado uma associação positiva entre a endometriose e a experiência de stress, sintomatologia ansiosa, sintomatologia depressiva, sentimentos de desesperança, baixa autoestima, disfunção social e níveis mais baixos de qualidade de vida e bem-estar psicológico.
A endometriose não tem cura, mas tem tratamento - este deve ser adequado às características da pessoa e da doença, tendo sempre em consideração variáveis como a idade, queixas apresentadas, desejo reprodutivo, crenças acerca da doença e do seu impacto, e o grau de progressão da doença.
De um modo geral, a abordagem de tratamento deve ser integrativa e multidisciplinar, incluindo terapia farmacológica e/ou cirúrgica (em alguns casos). Alguns estudos demonstram que a intervenção psicológica no tratamento da endometriose pode representar uma importante ferramenta terapêutica, especialmente para mulheres submetidas a vários tratamentos cirúrgicos/farmacológicos e que experienciaram recorrência de sintomas.
A literatura científica tem revelado alguns resultados promissores neste contexto. De um modo geral, a terapia cognitivo-comportamental é considerada uma terapia baseada na evidência, eficaz no tratamento de condições relacionadas com a dor (incluindo dor crónica). Especificamente, a promoção de competências de mindfulness, em situações de dor crónica, demonstrou ser muito relevante para mulheres com endometriose, estando associada à melhoria da sua qualidade de vida. A promoção de estratégias de autocuidado está também associada à melhoria da qualidade de vida e promoção da saúde mental nestas doentes. Para além disso, intervenções que incluem práticas de yoga, treino de relaxamento, terapia cognitivo-comportamental combinada com fisioterapia, e biofeedback, resultaram no alívio da dor, sintomatologia depressiva e ansiosa, stress e fadiga, em mulheres com endometriose. Embora a investigação científica apresente resultados encorajadores, são necessários estudos futuros que utilizem metodologias mais robustas na avaliação da eficácia destas intervenções, especificamente considerando esta condição de saúde.
Se tiver recebido um diagnóstico de endometriose e estiver a experienciar sofrimento psicológico ou dificuldades emocionais, procure ajuda profissional especializada. Conheça também a MulherEndo, a Associação Portuguesa de Apoio a Mulheres com Endometriose – ter consciência de que não está sozinha, nem precisa de passar por tudo isso sozinha, poderá ajudá-la neste processo.
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