Atualmente assistimos a um movimento de hiperexposição pela imagem, como enfatizou Luís Fernandes no seu livro “as lentas lições do corpo”. Uma pessoa pode escolher apresentar-se na sua forma hiperpolida e lapidada, ou ver a sua privacidade roubada e publicada para ser escrutinada para sua vergonha. Expomo-nos ao scroll infinito, com prejuízo de uma certa analgesia, um esvaziamento dos sentidos, um alheamento ao corpo, que fica em segundo plano. Esta repressão do sentir o corpo, silenciar as sensações e eleger a palavra, numa tendência imediata para a intelectualização, afasta-nos de uma vivência integral e de uma intensidade que fica interrompida, não expressada, encouraçada. Aceitamos a exposição do corpo, a sua figuração, mas escondemos o seu pulsar, sensações, emoções e como é encontrar e reconhecer o corpo no sentimento de si.
Afinal o que sente o corpo que sente, vamos interrogá-lo?
Peço que fique em silêncio. Reserve um momento apenas para relaxar. Feche os olhos e olhe para dentro. Se for confortável fique de pé, ou então sente-se e sinta a superfície com que contacta. Agora, dentro de si, gostaria que prestasse atenção interiormente, no seu corpo, talvez no peito ou abdómen. Acolha o que vem ao conectar-se com a questão: “Como me sinto na minha pele?” Acolha o que emerge, rastreie a sua revelação no corpo. Tome conta desse desafio com bondade. Espere que o corpo dissolva resistências o suficiente para que se expresse. Permita-se alguns minutos. Como respira? Que sensações emergem? Dor? Aperto? Peso? Frio ou calor? Expansão? Leveza? Onde no corpo? Vários temas podem surgir, imagens, pensamentos, sentimentos. Acolha-os no seu conjunto e volte à sensação. Sinta dentro do seu corpo, deixe que as respostas surjam lentamente da sensação. Quando surgir alguma preocupação, não se envolva. Crie espaço entre si e essa preocupação, permita-se a esta vivência. Pergunte então o que sente além disso. Espere novamente e sinta-o.
Como é aperceber-se desta sabedoria no seu corpo? Como é estar em contacto?
O movimento da vida é a relação, estar em contacto. Encontros e perspetivas, troca e reciprocidade – o pulsar. Como esclareceu Alexander Lowen, a pulsação é o movimento de regulação de intensidades: expressamos-contemos, expandimos-contraímos, esforço-repouso, inspiração-expiração, aproximação e afastamento. Este é o nosso movimento para uma vida vivida que, em dinâmica equilibrada, é mecanismo de revelação do nosso potencial e criatividade, mas também de sanação e dissolução de tensões, desconfortos, integração de perdas e sofrimentos. A paz surge da bondade com que conseguimos acolher o sofrimento em nós, e em nós significa no corpo. Essa bondade consegue transmutar o sofrimento, dar-lhe distância, perspetiva e torná-lo mais tolerável. E quando me permito acolher tudo isto no meu corpo, fico em paz. Há algo de especial em tocar e sentir o outro a partir do meu toque - sou tocado quando toco – é inevitável – o toque físico afetivo, suave e cuidado ou o toque da bondade.
Um último convite a sentir no corpo, experimente um ato de bondade espontâneo, como nos inspira o movimento “Random Acts of Kindness”. Como sente o seu corpo depois desse ato de gentileza? Como refere Laura Crucianelli “Touch is a language we cannot afford to forget”, a bondade como prática regular cultiva sentimentos de conexão, sentido, segurança e conforto. Oferece nos um recurso poderosíssimo de regulação do sistema nervoso trazendo calma, satisfação e um sentido de harmonia.
Experimente, sinta!
E agora, como me sinto na minha pele?
Referências
Crucianelli, L. (2000). https://aeon.co/essays/touch-is-a-language-we-cannot-afford-to-forget
Fernandes, L. (2021). As lentas lições do corpo. Lisboa, Contraponto. Lowen, A. (2018). A espiritualidade do corpo. Bioenergética para a beleza e a harmonia. São Paulo, Summus Editorial.
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