“ - Tenho que escrever o artigo esta semana sem falta. Ah, mais ainda tenho tempo. Afinal de contas ainda tenho uma semana. Bem, vou só ouvir este podcast, o novo álbum dos meus artistas preferidos e ler um capítulo do meu livro e já começo a escrever. Ah, já é tão tarde, amanhã trato disto sem falta.
(dia seguinte)
- Vou escrever o meu artigo agora, sem falta. Ah, mas preciso de colocar música antes. Deixa-me procurar a música perfeita. (três horas depois) Bem, agora já não consigo escrever o artigo, tenho de ir dormir. E, afinal de contas, eu preciso de descansar para amanhã ter energia para fazer a minha pesquisa para o meu artigo.
(uma semana depois)
- Aiiiiii, como é que já passou uma semana e ainda não consegui ler nada para escrever o meu artigo e muito menos começar a escrever? Tenho que enviar amanhã para ser publicado! Vou ter de ficar o resto da noite acordada a fazer pesquisa. E de certeza que toda a gente vai perceber que foi escrito de uma só vez, as pessoas não vão gostar ou entender e vão perceber que eu sou uma farsa!”
Alguém se identificou com a situação descrita acima? Bem, deixem-me vos dizer: uma psicóloga também procrastina. Também eu adoto comportamentos que não são tão saudáveis. Também eu tenho medos e ansiedades. E o mais difícil de tudo é admiti-lo publicamente. O que será que os meus pacientes vão achar? Vão olhar para mim de uma forma diferente? Ora bem, até pode acontecer, mas a verdade é que eu acredito que é na partilha que eu cresço, que tomo consciência dos meus comportamentos, atitudes e pensamentos menos racionais. Partilhar a minha experiência, em primeiro lugar ajuda-me a mim – ajuda-me a racionalizar o pensamento, a desafiar o comportamento, a mudar o hábito. Em segundo lugar, ajuda o outro a entender que há mais pessoas a agir da mesma forma, irracional, conduzida por crenças que podem ser menos saudáveis. Perceber que não estamos sozinhos naquilo a que gosto de chamar (de forma irónica) – a arte de procrastinar. E todos os mestres da procrastinação que estão desse lado, sabem o quão difícil é encontrar a melhor atividade para fugirmos um bocadinho das nossas obrigações, que naquele momento nos parecem tão difíceis, trabalhosas ou demasiado exigentes para nós.
“-Tenho de ligar para aquele amigo que prometi ligar há um mês atrás, mas primeiro tenho de arrumar a minha casa.”
- “Tenho mesmo de estudar para o exame final da próxima semana, mas primeiro vou fazer um bolo para depois ter uma recompensa por ter estudado”.
Então e perguntam vocês, “mas não seria mais fácil fazer logo de uma vez e ficar tranquilo?” Ora, seria, pois, o assunto ficava resolvido e podíamos fazer tudo, sem o sentimento de culpa atrelado. Mas é mais fácil dizer do que fazer, principalmente para nós procrastinadores obstinados.
Afinal de contas o que é a procrastinação? É preguiça? Medo? Fuga? Desvalorização?
E como é que podemos melhorar este comportamento? Afinal de contas, ninguém quer viver com esta sensação de culpa para sempre. Se calhar, até preferia ouvir o meu podcast, ler o meu livro e ir passear, sem ter esta voz em background a dizer-me “Não devias estar em casa a ler material para o artigo desta semana?”
Procrastinar significa o ato de deixar alguma coisa para amanhã; adiamento; demora. Procrastinar não é adiar algo sem saber as suas consequências ou porque achamos que será melhor assim. A procrastinação refere-se ao atraso desnecessário e irracional de uma tarefa ou tomada de decisão acompanhado de desconforto psicológico e emoções negativas, como culpa e insatisfação.
Trata-se de um comportamento comum que gera prejuízos significativos na qualidade de vida das pessoas e é considerado relativamente difícil de ser modificado porque fornece um conforto temporário em momentos exigentes, incertos e cheios de responsabilidades. É, portanto, uma estratégia de evitamento diante de tarefas aversivas.
E que razões é que nos podem levar a adotar esta estratégia? Pode existir uma preocupação excessiva das pessoas com a própria capacidade de fazer as coisas corretamente; medo irracional do fracasso, outras atrasam tarefas porque não querem ter de realizá-las; e ainda há aquelas que procrastinam porque não são organizadas ou simplesmente não sabem por onde começar.
Podemos concluir que o perfecionismo, o medo, a culpa e o evitamento são as palavras-chave para este comportamento de adiamento constante.
Então e como podemos mudar isto? Como é que podemos enfrentar o nosso medo irracional do fracasso e da crítica?
Temos de começar por mudar a nossa perspetiva. Perceber que aquilo que nos deve motivar é o entusiasmo e não o medo de falhar ou pelo sentido de dever. Reconhecer os nossos esforços, mesmo que não tenhamos sido os melhores. Reajustar o nosso sentido de autoestima incondicional. O nosso valor não depende do nosso sucesso ou do quão perfeito é o artigo que escrevemos. Incorporar a máxima- errar é uma oportunidade para aprender e crescer. E, por fim, mas não mais fácil, deixar de tentar controlar todas as suas emoções. Mostrar-se vulnerável. Mostrar-se. Ter a coragem de ser vulnerável aos que nos são mais próximos, para que eles nos possam mostrar o quão importantes e corajosos somos mesmo quando tudo o que queremos é fugir ou passar as próximas horas à procura da música perfeita que nos vai motivar a enfrentar as nossas obrigações.
Comentários